
Ontem, por volta das 22:10, voltei a emocionar-me perante a entrada em palco de outra lenda viva: Gil Scott-Heron, um revolucionário que, na minha opinião, fez para a música negra, e não só, aquilo que Leonard Cohen fez para a música “branca” (se é que esse conceito existe). Estereótipos à parte, Gil Scott-Heron é um poeta / músico (ou músico / poeta?) com uma voz quente, embora dignamente “gasta”, que nos aqueceu as almas ontem à noite, durante pouco mais de hora e meia de actuação (incluindo dois encores), através do seu sentido de humor apurado (o momento em que se apresentou ao público foi de stand-up comedy puro), da sua postura doce e humilde, das suas palavras, da sua voz hipnotizante, do som aveludado do seu piano Rhodes (adoro) e do ambiente intimista que as suas melodias soul criaram naquela sala, onde a devoção era palpável. Se fechássemos os olhos, éramos transportados para um piano bar num bairro negro dos EUA nos anos 70. Só faltou mesmo o cheiro a cigarros.
Fugindo do cliché do concerto em formato “best of”, Gil Scott-Heron e a sua amável banda (percussão, teclas e harmónica) tocaram aquilo que lhes apeteceu. Músicas do último álbum, “I’m new here”, que estaria a ser promovido? Uma (“I’ll take care of you”). Grandes hits? Só alguns (“Winter in America” e “The Bottle” são alguns exemplos), mas o icónico “The Revolution Will Not be Televised”, por exemplo, não deu sinais de vida (apesar dos pedidos insistentes de uma irritante fracção do público). Não foi um concerto tecnicamente perfeito, tendo estado longe disso. Mas, para mim, tal como terá sido para muitas das pessoas que estiveram presentes na Aula Magna (contribuindo para uma sala bem composta, embora não esgotada), foi uma noite inesquecível. O diabo andou à solta no álbum “I’m new here”, mas ontem reinou a paz e eu, pelo menos, abandonei o local do crime com uma enorme leveza de espírito. Como se tivéssemos saído de um confessionário, em que Gil Scott-Heron confessou-se pelos seus (muitos) pecados e... também pelos nossos.
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